Dificuldade de leitura: Dificuldade de leitura 1/5

Foto de Subliminar

O livro "Subliminar" de Leonard Mlodinow

Resenha crítica por João Borba - 2013

 

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O livro Subliminar de Leonard Mlodinow: uma leitura que vale a pena?
Uma primeira avaliação crítica geral e uma impressão pessoal.

Trata-se de uma obra excelente.

O autor é físico, da equipe de Stephen Howkins. Curiosamente, o livro se dedica a um assunto de outra área: aos funcionamentos inconscientes da mente humana. Mlodinow procura mostrar, em linguagem clara, quais os atuais avanços técnicos no campo dos estudos sobre o funcionamento do cérebro humano, e que conclusões básicas têm sido extraídas dessas novas técnicas de exame do cérebro em relação ao que costumamos chamar de "inconsciente". O resultado é toda uma cuidadosa e interessantíssima descrição dos mecanismos inconscientes de funcionamento do cérebro, que nos dão uma compreensão disto completamente diferente daquela dos freudianos. Deste ponto de vista, Freud parece ter acertado apenas quanto ao papel dominante e onipresente do incosnciente no fundo de todas as nossas ações, mas errado completamente quanto ao modo como esse inconsciente se desenvolve e atua sobre nosso comportamento.

O livro foi uma surpresa muito positiva.

Quando o li, já fazia bastante tempo que eu estava interessado na questão das mensagens subliminares. Vinha cultivando e defendendo a hipótese de que, na verdade, o "subliminar" é o conjunto de tudo à nossa volta a todo e cada momento, apontando em direções tão variadas e ambíguas que não se pode discernir nesse caldo geral de subliminaridades nenhuma "mensagem". E que portanto as tais "mensagens subliminares" só se estabelecem justamente na medida em que racionalmente recortamos, destacamos, algo como "mensagem" nesse conjunto. Faltava-me examinar em que medida essa racionalidade não poderia ser ela própria inconsciente também. Mas de qualquer modo, esta hipótese me colocava contra o tradicional posicionamento que culpabiliza o inconsciente e o irracional pelas manipulações exercidas sobre as opiniões, e me permitia uma interessante linha de defesa da sofística democrática radical da Grécia antiga.

Agora, o livro de Mlodinow veio dar sustentação muito sólida ao que eu já imaginava.

É apenas um livro de divulgação científica, e comete inclusive um ou outro pecadilho apelativo para atrair seu público, principalmente no modo como manipula dados estatísticos no início, para "vender seu peixe" (Sócrates teria muito a questionar dos primeiros capítulos). Mas quando se desapega dessa necessidade de autodivulgação, o livro se torna excepcionalmente bom. Li devagar, saboreando, pensando em complementar com a leitura e releitura de bons livros que tenho há algum tempo sobre neurologia, assunto que tem me interessado cada vez mais nos últimos anos, aliás.

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Quais as principais críticas que se pode fazer ao livro Subliminar?
Boas informações sem interpretação una e coerente do conjunto.


Minhas únicas críticas realmente relevantes:

1. O livro é, em resumo, um grande apanhado descritivo das atividades inconscientes do cérebro com base o que as técnicas atuais permitem captar dessas atividades. Falta um pouco mais de conexão com os detalhes neurológicos por debaixo disso.

2. Mais importante: falta criar uma operação geradora única para tudo isso, um interpretação que com base em poucos princípios possa articular coerentemente todo esse conjunto de descrições para que apontem um sentido, em outras palavras para que o conjunto tenha sentido — e possa ser finalmente inserido no campo dos debates humanos de maneira inteligente  e não meramente "fática", como se fossem simples "dados indiscutíveis" para fins técnicos... caso contrário nada disto tem interesse cognitivo real, não há propriamente conhecimento, mas apenas uma massa de dados tecnicamente utilizáveis.

Se é verdade que — conforme Mlodinow nos informa neste livro — a interpretação de Freud e seus seguidores, com suas operações geradoras de toda a teoria psicanalítica, não se sustentam mais quanto à noção de insoconcsiente que essa interpretação tão brilhantemente sutentou por tanto tempo, se elas perderam sua realidade e se tornaram fantasiosas com a emergência dessa nova massa de dados (ou base de informações) sobre o "inconsciente"... então qual outra interpretação, com quais outras operações geradoras devemos criar para transformar isto em conhecimento. De que operações geradoras necessitamos para transformar isto em algo capaz de realmente nos orientar, gerar valores que nos orientem (na vida como um todo mesmo, como rumo de vida, e não em meras operaçõeszinhas técnicas de dia a dia)? — Esta é a questão.

Pois isto é o que realmente interessa do ponto de vista do conhecimento, e não meras "informações" e suas possíveis "utilidades" práticas, em sentido tarefeiro, de quem por exemplo cumpre ordens e resolve problemas específicos que lhe são atribuidos...

Nem por isso a massa de informações básicas apressentada por Mlodinow neste livro deixa de ser extremamente interessante para o leigo no assunto, e extremamente útil inclusive, para pensarmos a respeito da vida.

Segue-se um resumo dessa massa de informações, reorganizado de maneira mais simples e direta nesta resenha, em subtítulos diferentes dos capítulos em que Mlodinow dividiu a obra. Como são muitas informações, resumo ficaria muito extenso se fossem considerados também todos os seu numerosos exemplos, casos experimentais, casos médicos e casos normais da vida humana e socia diária.

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O que podemos aprender com a leitura de Subliminar?
Um breve resumo das principais informações trazidas pelo livro.

 

O conceito de "inconsciente"

O conceito de "inconsciente" que os estudos sobre o sistema nervoso apresentam tem sido chamado de "novo inconsciente" — para não ser confundido com aquele que era defendido pela psicanálise de Freud. Mlodinow reconhece o caráter pioneiro das pesquisas de Freud nesse sentido, mas aponta como os primeiros a tomarem um rumo desta noção do "novo inconsciente" não Freud, e sim o psicólogo e fisiologista William Carpenter, os filósofos Charles Sanders Peirce e William James (dois dos principais nomes da tendência conhecida como Pragmatismo), o psicólogo Wilhelm Wundt e, talvez ainda mais, seu aluno Hugo Münsterberg.

 

O caráter seletivo das nossas percepções

Segundo o que se sabe do "novo inconsciente", julgamos as coisas pela aparência bem mais do que imaginamos: nossas sensações físicas (visão, audição, tato etc.) na verdade captam apenas uns poucos traços da realidade ao nosso redor, e o que "percebemos" é um quadro bem mais completo, porque completamos inconscientemente o resto da imagem com outros traços (de outras imagens que temos na memória) que não foram captados, mas que para o nosso cérebro parecem estar em conformidade com esse pouco que captamos. O cérebro faz isso seguindo inconscinetemente padrões da sociedade em que vivemos.

Os traços que realmente captamos, além disso, são seletivos. Nosso inconsciente (não apenas a estrutura física dos nossos olhos, ouvidos etc., e sim o inconsciente em conjunto com ela) seleciona automaticamente, sem nos darmos conta, quais são os elementos da realidade que serão captados, e quais ficarão, por assim dizer, "fora de foco", apagados, ocultos na nossa percepção — estes nos não percebemos nitidamente, ou simplesmente não percebemos.

 Independentemente da sociedade em que vivemos (mas ao que tudo indica pelo fato de sermos acostumados à vida em sociedade), nosso cérebro focaliza melhor rostos humanos, e em segundo lugar, corpos humanos. E o incosnciente nos leva a captar mais detalhes neles do que em todo o resto do que focalizamos, como parte do mecanismo linguístico pelo qual deciframos expressões faciais e corporais.

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O inconsciente não apenas seleciona mas recria nossa percepção da realidade

Não apenas em relação aos rostos e corpos humanos, mas em relação a tudo o mais, a focalização de algo pela nossa percepção é sempre acompanhada automaticamente, inconscientemente de um detalhamento muito maior do que aquilo para o qual não damos muita atenção. Esse detalhamento, ao contrário do que tendemos a imaginar, não se dá porque percebemos mais coisas disso que focalizamos, mas porque nesses casos nosso cérebro acrescenta mais detalhes ao completar a imagem, promovendo também uma diferenciação maior daquilo que focalizamos em relação a outras coisas parecidas ou do mesmo tipo — e isto significa que todo esse detalhamento não corresponde necessariamente aos fatos, sempre pode ser ilusório.

Nosso inconsciente também faz associações indiretas sem nenhuma garantia de que estejam corretas, mas que por outro lado podem nos levar a conclusões muito mais rapidamente, e com uma margem de erro que frequentemente faz com que isto valha a pena, de modo que os resultados acabam sendo favoráveis.

Outra informação interessante: os dados sensoriais são de qualidade muito baixa: borrões, riscos e pontos de luz com cores mal definidas. O inconsciente não apenas interpreta esses dados, selecionando o que julga mais relevante e "completando" o quadro com traços que não foram captados, mas também os realça, tornando-os mais nítidos para nós. O inconsciente, portanto, literalmente reconstrói as nossas percepções a partir de uns poucos dados, e com muita "maquiagem".

A convivência com outras pessoas, e também a mera comunicação com os outros, afetam fortemente (e de maneira inconsciente, automática) tudo aquilo que percebemos.

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A mente inconsciente afeta nossa memória e nossas convicções

Embora o inconsciente selecione, complete, destaque, detalhe e realce constantemente cada mínima de nossas percepções apoiando-se em dados de memória, ele faz isso também com as próprias memórias, que portanto são do mesmo modo reconstruções inconscientes. Ao contrário do que poderíamos imaginar, para reconstruírmos as percepções nosso cérebro não percorre uma "galeria", ou "arquivo" com todas as nossas lembranças... porque (ao contrário do que Freud sugere) esquecemos, apagamos e reapagamos constantemente (e de maneira definitiva) a maior parte do que vamos guardando na memória. A imensa maioria do que "lembramos" são reconstruções que nosso cérebor faz no momento mesmo em que estamos, supostamente, nos "lembrando" de algo do passado.

Na verdade temos em mente apenas algumas "lembranças" exemplares — já devidamente reconstruídas, reinterpretadas — que nosso inconsciente adota como "modelos" para comparar com elas cada nova percepção que nos surge, e com base nessa comparação, reconstruir as percepções num constante exercício de imaginação, que envolve desde a variação desses modelos até a invenção de traços que não existiam neles nem foram captados sensoriamente. Mas quanto mais vezes retornamos, ou nos fazem retornar, à mesma suposta "lembrança", mais ela se fixa para nós, em nossa memória, como se fosse uma realidade, mais vamos, inconscientemente, depositanto nela, acreditando que as coisas foram realmente assim.

 

Nossas convicções são ilusões
inconscientemente reforçadas pelo convívio social

Este efeito de crença é reforçado também pelo nível de compartilhamento social dessa "informação".

Quando mais pessoas compartilham conosco a ideia de que aquilo é "verdade", mais aquilo adquire, para todos os envolvidos (inconsciente e automaticamente) a característica de um dado de fé — o que vale tanto para a memória quanto para as percepções atuais. Passa-se a acreditar coletivamente que os "fatos" são aqueles (ou foram aqueles), e isso vai adquirindo mais e mais credibilidade e fixidez, até atuar como algo "inquestionável".

Os casos examinados no livro para exemplificar isto são, em geral, experimentos científicos considerados já clássicos, casos medicamente examinados de pessoas que por acidente ou de nascença têm certas deficiências cerebrais que, examinadas com o devido cuidado ajudam a compreender esses mecanismos, e — o mais interessante (e alarmante) — notórios casos criminais em que os fatos foram apurados, com a mais absoluta "certeza", de maneira que, no entanto, hoje sabemos ter sifo totalmente distorcida, pela polícia, pelos tribunais, pela mídia, e pelo público. E mais alarmante: tais casos não são "exceções": são exemplos da regra, do mais habitual.

A repetição e reafirmação de algo sempre lembrado do mesmo modo reforça a convicção de que foi assim que ocorreu, e vai revorçando-a cada vez mais, em todos os envolvidos independentemente de serem beneficiados ou prejudicados com isso (e a convicção se reforça ainda mais na medida em que mais gente esteja envolvida). Isto é completamente independente de qualquer erro ou acerto nessa convicção. É um mecanismo puramente inconsciente e automático.

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O que diferencia a mente humana da mente de outros animais:
ToM - a Teoria da Mente de cada um de nós

Os humanos são incomparavelmente mais propensos ao implante inconsciente de falsas memórias do que qualquer outro animal, mas também incomparavelmente mais maleáveis a mudanças nelas, pois podem ser movidas "por um simples comentário" (pág. 91) que auvimos ao acaso em algum momento. E uma vez alteradas as memórias, passamos a ter convicção cada vez mais total e completa de que foi sempre deste modo que nos lembramos dos fatos e nunca antes pensamos de outro modo — por mais que isto seja absolutamente falso.

Dessas memórias inventadas e depois reforçadas na convicção, derivam também expectativas constantemente renovadas quanto ao futuro.

Uma informação biológica especialmente interessante que o livro nos traz, capaz de romper muitos preconceitos tradicionais, é a de que a maior diferença entre a mente humana e a de outros animais não é nem uma "razão" nem uma "consciência" superior ou mais desenvolvida. Na verdade somos muitíssimo menos conscientes (e mais autoiludidos quanto à nossa suposta consciência) do que pensamos. O que nos diferencia de outros animais é naverdade a nossa altissimamente desenvolvida ToM — sigla para o que os estudiosos do cérebro humano chamam de Theorization of Mind (capacidade de fazer teorias acerca do que se passa na mente do outro).

A ToM é medida em graus de intencionalidade. A intencionalidade de 1ª grau é a capacidade de teorizar a respeito do que o outro pensa. A intencionalidade de 2º grau é a capacidade de teorizar a respeito do que o outro teoriza sobre o que alguém pensa. A de 3º grau é a capacidade de teorizar sobre o que o outro teoriza a respeito da teorização que alguém faz sobre outra pessoa. E assim por diante.

A ToM pode ser utilizada conscientemente. Mas também pode se ser particada — e na maior parte do tempo é praticada — inconscientemente. O ser humano a pratica constantemente, com um grau de intencionalidade (uma capacidade) que varia de pessoa para pessoa, e também na mesma pessoa de situação para situação (e variando também, evidentemente, no grau de acerto e de engano nessas teorizações). Mas a praticamos num grau de intencionalidade que, mesmo quando é mais baixo, tende quase sempre a ser bem mais elevado do que no caso de qualquer outro animal.

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Estereótipos e classificações inconscientes
(in-groups e out-groups — e outras fontes de conflito)

Outra atividade constante do nosso inconsciente é a de fazer e refazer classificações. Estamos constantemente, e sem nos darmos conta disso, enquadrando as coisas em categorias gerais dentro de classificações que criamos, muitas vezes apoiadas em padrões sociais, e corrigindo essas classificações, reenquadrando as coisas em outras dessas categorias, ou em categorias novas — e as categorizações e classificações passadas que acabamos de desfazer são esquecidas tão rápida e arbitrariamente quanto foram criadas.

Essas categorias, na verdade, não costumam durar muito tempo. As categorias são criadas e desfeitas fortuitamente a todo momento com base em qualquer mínima sugestão recebida do ambiente — principalmente do ambiente humano e social, por isso a tendência a se aproximarem de padronizações sociais. E as categorias que mais utilizamos são também aquelas que servem para classificar pessoas. Especialmente duas grandes categorias gerais: os in-groups e os out-groups. Os estudiosos do novo inconsciente chamam de "in-groups" aqueles grupos humanos dos quais nos sentimos parte, e de "out-groups" aqueles dos quais sentimos que não fazemos parte. Isto se expressa sobretjdo nas expressões "nós" e "eles" (ou "os outros").

Os ing-groups — aqueles a que nos referimos com a expressão "nós" — aparecem melhor focalizados na nossa percepção, e nosso inconsciente os preenche com mais detalhes, com maiores diferenciações internas de pessoa para pessoa, e cada um deles com maior diferenciação em relação ao conjunto dos nossos out-groups, que tendem a parecer não apenas mais parecidos uns com os outros, mas também mais simples mais homogêneos internamente, menos complexos e menos diferenciados, e formados por pessoas mais parecidas umas com as outras.

Independentemente da vantagem ou desvantagem que isto represente para nós, nossa mente inconsciente tende também a valorizar mais os in-groups e também a desvalorizar ou depreciar os out-groups, produzindo inclusive o realce da demarcação e sectarização, a separação cada vez mais firme e nítida entre os grupos, cujas diferenças vão se firmando mais e mais e se tornando mais e mais convincentes, até conduzirem inconscientemente à geração de conflito entre os grupos.

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A alienação natural do ser humano
(que o mergulha em um mundo de ilusões artificiais coletivas)

A mente inconsciente tende a nos manter em um contínuo estado de elevadíssima alienação em relação ao meio ambiente externo a nós, mergulhados em um ambiente mentalmente reconstruído e quase inteiramente ilusório, mas ao mesmo tempo altamente integradocom as ilusões de outros seres humanos, o que produz um nível de integração entre os seres humanos, mesmo com esses conflitos e para além deles, que é imensamente superior ao de qualquer outra espécie animal dotada de algum grau de individualidade (o que tende a referir-se especialmente aos mamíferos, embora não só a eles, e pode excluir muitos insetos, que apresentam um grau baixíssimo de individualidade entre os membros da mesma espécie).

A própria individualização que detectamos distinguindo os seres humanos uns dos outros muito mais do que aquela que percebemos entre outros animais é também, em larga medida, produto da tendência de nossa mente inconsciente de detalhar e diferenciar (e valorizar) mais aquelas percepções que dizem respeito a nós mesmos e ao que sentimos mais próximo de nós, do que aquelas que dizem respeito ao que sentimos como distante de nós ou não fazendo parte do "nosso grupo".

 

A manipulação dos sentimentos e raciocínios pela mente inconsciente

Como é possível que vivamos tão constantemente e tão profundamente iludidos acerca de tudo e de todos ao nosso redor sem nos darmos conta?

A mente inconsciente (ou subliminar) não apenas controla, domina, manipula e remodela as próprias percepções sensoriais a todo momento, tendendo a fazê-lo coletivamente e a reforçar convicções a respeito, para abandoná-las num piscar de olhos quando já não podemos sustentá-las, e reconstruir imediatamente outras convicções igualmente fortes... a mente inconsciente, enfim, não apenas faz isto com os dados sensoriais, e também com a nossa memória, e também com as nossas expectativas e projeções quanto ao futuro... Mas além disso ela controla, domina, manipula e remodela a todo momento os nossos raciocínios e os nossos sentimentos — e os utiliza a ambos, raciocínios e sentimentos, como um conjunto de ferramentas (poderosas) de justificação e demonstração da "verdade" de toda essa pseudorealidade manipulada. Nossa mente subliminar (inconsciente) nos mantém convictos da plena realidade dessa ambientação ilusória que inventamos e reinventamos a todo momento, com apoio coletivo e de modo inconsciente.

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Como o inconsciente manipula e utiliza nossos raciocínios

Mlodinow nos mostra primeiro, em seu livro, como o inconsciente manipula o raciocínio de modo a utilizá-lo como instrumento a serviço dessa contínua e continuamente alterada autoilusão — que se ilude inclusive em relação à sua própria estabilidade, como se estivéssemos de fato percebendo e vivenciando as coisas sempre do mesmo modo (embora por esses artifícios, sobretudo o da convicção coletivamente compartilhada e mutuamente reforçada, acabemos mantendo-as sim, para todos os efeitos, mais ou menos do mesmo modo, em um certo nível de superficialidade).

A mente inconsciente, segundo o autor, busca incessantemente a racionalização de tudo visando dar algum sentido coerente às coisas tal como as estamos percemendo neste momento — mesmo que para isso produza uma incoerência com a racionalização anterior, que justificava uma outra percepção das coisas. Os problemas de incoerência entre as razões que justificam a "veracidade" atribuída às percepções atuais e aquelas que justificavam a "veracidade" das percepções anteriores é resolvido, de maneira rápida, prática e simples, pelo esquecimento. E operamos essas racionalizações e esquecimentos a todo momento, sem nos darmos conta. a nova racionalização se fixa imediatamente como crença, e a anterior é esquecida por completo, "deletada" da nossa memória, quase sempre sem deixar vestígios.

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Como o inconsciente manipula e utiliza nossos sentimentos

Depois de examinar muitos casos demonstrando isso, Mlodinow abre um capítulo para demonstrar que, por estranho que possa parecer isso, também nos enganamos quanto aos nossos sentimentos. Não só porque não sabemos explicá-los ou dar nome a eles, realmente nçao demos consciência completa nem clara desses sentimentos no próprio momento em que estão ocorrendo.

Mlodinow não chega a dizer explicitamente isso, mas deixa no ar a impressão de que há duas camadas diferentes de sentimentos: aquela do que realmente estamos sentindo (por exemplo uma pequena dor física no estômago, ou uma tristeza produzida por condições químicas de caráter depressivo no nosso organismo) e aquela do que acreditamos que estamos sentindo — e que, por isso mesmo, começamos a sentir também (como uma camada de sentimento inventada a posterióri, a partir de distorções perceptivas e ilusões, que recobre aquela outra).

Portanto, também nos enganamos em relação aos nossos sentimentos: não sabemos o que estamos sentindo, e nossas teorizações a respeito produzem uma nova máscara que recobre esses sentimentos, mas que é feita também de (novos) sentimentos, capazes de nos ocultar os primeiros. só que a camada original de sentimento, pelo que podemos depreender da leitura de Mlodinow, não se "apaga" simplesmente com a mesma facilidade com que se apaga uma memória ou uma informação, e tende deixar vestígios ocultos por algum tempo por debaixo da nova camada de sentimento, antes de se apagar.

Nessa manipulação dos nossos sentimentos de modo a nos iludir, o inconsciente tende não só a utilizá-los para reforçar nossa memória e nossas convicções, mas também a criar para nós uma realidade emocional mais aceitável e direcionada para nossa valorização, para o aumento da nossa autoestima e para nos fornecer boas condições de resistência emocional de de impulso passional para nossas atividades — e este é o aspecto mais ressaltado pelo autor no livro.

De qualquer modo — e o isto é o mais importante notar — segundo Mlodinow podemos criar ou recriar de outro modo os nossos sentimentos a partir da manipulação de seus sintomas em nós. Mais do que isso: realizamos essa façanha inconscientemente a todo momento. Temos sentimentos artificiais criados e sobrepostos aos "reais", e que acabam se tornando igualmente reais ou os substituindo.

O ser humano é enormemente (e profundamente) mais maleável do ponto de vista emocional do que fazia crer a teoria freudiana.

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A imersão humana no campo da linguagem
(e mais algumas críticas que podem ser dirigidas ao livro)

O livro de Mlodinow a certa altura procura ressaltar o modo como a mente inconsciente se dedica incansavelmente a atividádes linguísticas não-verbais, criando, articulando e sobretudo "lendo" e interpretando sinais de expressão facial e corporal, e toda a linguagem (que costumamos chamar de proxêmica) do modo como dispomos nosso corpo no espaço uns diante dos outros. Porque inconscientemente queremos muitas vezes dizer alguma coisa com nossas posições, disposições e movimentos no espaço diante dos outros. E mais vezes ainda queremos captar nas posições, movimentos e disposições das pessoas no espaço, quando estão diante de nós, alguma coisa que elas podem estar nos dizendo inconscientemente... Nossa mente subliminar, sem que tenhamos consciência disso, procura a todo momento interpretar as posições, disposições e movimentos corpóreos e faciais dos outros, buscando alguma base para nossas teorizações (igualmente incosncientes) acerca do que se passa na mente dessas pessoas, de modo que possamos reagir da maneira adequada.

Mlodinow dedica algum espaço no livro a comentários sobre isso, que incluem a questão fascinante das microexpressões, daquelas expressões faciais expressivas que realizamos inconscientemente e de maneira tão discreta, que quase sempre são captados pelos outros apenas sibliminarmente.

Ao falar sobre nossas intercomunicações não-verbais e inconscientes, e sobre o modo como influenciamos uns aos outros por meio delas, o autor se aproxima um pouco daquele tipo de literatura de aconselhamento e autoajuda de que o mercado editorial norteamericano está sempre saturado: fala sobre os meios pelos quais é possível realizar esse tipo de influência subliminar. Coisas como a taxa de dominação que transmitimos em nossa atitude, dependendo de como combinamos nosso modo de falar e de olhar, da "quebra de gelo" no contato com os outros que conseguimos operar com um toque físico muito leve e discreto, dosado de acordo com a disposição que a pessoa apresenta quando se dirige a nós, o tom e ritmo de voz que emite confiabilidade e potência sexual etc. — esse tipo de leitura "socialmente útil" em um mundo "tão competitivo", que aquela gente (out-group de quem escreve estas linhas?) parece adorar.

Acrescenta-se a isso a observação interessante do autor, de que inconscientemente tendemos não apenas a avaliar as pessoas pela aparência segundo estereótipos, mas também a tentar corresponder a estereótipos em nossas atitudes e comportamentos. Uma questão: o próprio autor não esboçou em sua obra uma certa propensão para isso?

É interessante notar que, em diversas passagens, o próprio livro de Mlodinow parece oferecer alguns sintomas de toda essa atividade inconsciente que ele descreve. Isto lhe dá por um lado um certo ar de fragilidade, de fraqueza teórica, e como há diversas passagens de breves relatos pessoais e autobiográficos espalhadas pelo livro, nos sentimos na presença do ser humano que escreveu um livro divulgando algo que aprendeu, bem mais do que na presença de um sólido e experimentado cientista.

Mas por outro lado, esses mesmos sintomas de atuação inconsciente que de certo modo fragilizam o aspecto científico da obra, lhe dão também, por isso mesmo, uma interessante aura de credibilidade: podemos presenciar, em certos momentos do texto, as coisas que ele diz ocorrendo com o próprio autor, não apenas nas tais passagens autobiográficas do autor, mas em pequenas falhas humanamente desculpáveis no próprio modo como ele vai desenvolvendo sua exposição dessas informações.

 

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O mais importante continua sendo o que o livro nos diz
sobre os raciocínios e os sentimentos

Segundo Mlodinow, o cérebro é ativado em regiões diferentes conforme raciocinamos à maneira de um "juiz imparcial" (sem nos engajarmos emocionalmente em relação ao assunto) ou à maneira de um "advogado", engajando-nos a favor ou contra alguma coisa em nosso raciocínio, portanto raciocinando com engajamento emocional, como quem está pessoalmente envolvido no assunto. Essas metáforas do campo do direito são do próprio Mlodisnow, e dão complemento à sua constante utilização de exemplos retirados de casos policiais e jurídicos. Se raciocinamos sem engajamento passional, o raciocínio passa por certas regiões do cérebro, se nos sentimos passionalmente engajados naquilo a respeito do qual estamos raciocinando, o raciocínio não passa pelas mesmas regiões do cérebro, mas por outras muito diferentes.

A partir dessa constatação, Mlodinow nos fala sobre o que se costuma chamar de raciocínio motivado. Quando estamos emocionalmente engajados no nosso raciocínio, nós inconscientemente adulteramos as evidências, supervalorizando ou subvalorizando detalhes, detectando supostos (mas bastante improváveis) erros nas conclusões mais evidentes etc. E fazemos tudo isso sempre em favor do posicionamento em que estamos engajados e, com impulso ainda mais forte, em favor daquilo que possa gerar uma imagem mais positiva de nós mesmos — aliás, a própria imagem de que "estamos certos" apesar de todas as evidências en contrário segue também esse impulso.

O cérebro humano apresenta, portanto, uma tendência inconsciente para a autovalorização, um mecanismo elevador da autoestima. E produz uma poderosa racionalização para justificar isso com todo tipo de argumentos sempre que necessário.

Entretanto, o raciocínio que se faz à maneira de um "juiz imparcial", sem encajamento emocional, não resolve o problema da autoilusão, apenas torna um pouco mais imparciais as decisões, o que pode ser muito útil nos casos em que essa imparcialidade é uma exigência fundamental.

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