fragmentos de leitura de
"O princípio da integridade como princípio da potência
na figura de Sócrates, segundo a obra de Xenofonte"
O livro tenta mostrar o que seria o pensamento de Sócrates do ponto de vista de Xenofonte. Em minha leitura do livro fui encontrando o seguinte:
- A presença do conceito grego de metreopáthea em Sócrates (ponderação dos sentimentos, medida equilibrada ou justa dos sentimentos). Não digo ter encontrado a palavra grega em si, mas o conceito.
- A noção de que a alma seria uma participação no divino.
- A defesa de um cuidado com a alma através de cuidados com o corpo e através da moderação: integração corpo-alma.
- Trabalho (como o dos escravos, mas livre e libertador) em busca do justo e do bom, como trabalho de negação /refutação das aparências/imagens/exemplos do bom e do justo, em busca de conceitos.
- Sócrates, no entanto, fazendo-se de exemplo para educar.
- Incontinência e intemperança tiram a liberdade (eu diria jogam a pessoa em forças de arraste) e puxam para o afastamento do Bem.
- A moderação é primordial e necessária para a política.
- Sócrates é politicamente legalista.
- Valorização por sócrates do conhecimento das emoções (timós) a fim de melhor discipliná-las pela vontade, mas integrando inteligência, sentimento e vontade num todo. Ignorar o sentimento leva a autoengano e ao engano dos outros. § Esse conhecimento se dá por pónos (trabalho) com o Logos. § O mesmo vale para o conhecimento da realidade e de tudo o que há para conhecer.
- No entanto, é preciso reconhecer que somos sempre limitados nos nossos conhecimentos (moderação, comedimento, ponderação, também aqui).
- Segundo Xenofonte, Sócrates chega sim a conceitos, mas alerta para a dinâmica do contexto real em que estão imersos, de modo que não se podem fixar em definitivo.
- Areté como firmeza, no sentido de capacidade de manter a unidade e a harmonia mesmo diante do caos, acompanhando para isso a dinâmica e fluidez dos contextos.
- Sócrates considerava-se pago pela aquisição de um amigo autêntico –– o que sugere que o diálogo socrático trazia, além da afeição, a autenticidade das relações [pensar na questão da sinceridade]. Mas há também a questão da aquisição de um amigo virtuoso [pensar se ao mesmo tempo não há também virtude na boa amizade].
- Integração entre o processo de educar na virtude e a virtude como fim do processo, ao invés de ele ter como fim dinheiro, vantagens, poder etc.
- Coordenação entre exemplo e palavra fértil, fertilizadora.
- A sabedoria e as coisas belas e boas precisam ser constantemente exercitadas para não sermos arrastados para longe delas pelos "prazeirismos" e excessos.
- A busca do útil nisto tudo como contra-argumento a críticas de utopismo.
- A vitória fácil pode gerar a propensão a parar o esforço, na busca da virtude –– busca que pode conduzir à liderança se ligada à utilidade. parando o esforço, o exercício, a virtude decai. Teria sido o caso de Alcebíades. A facilidade deve ser encarada como possível armadilha.
- Sócrates parecia buscar uma "lei interna" das ações humanas, ou dos fatores mobilizadores dos seres humanos.
- Sócrates procuraria estimular os seguidores a "serem úteis para aqueles cuja estima ambicionassem" [grifo meu] –– será que não buscava, então, uma utilidade universal?
- A utilidade valorizada se liga à ação eficaz, e se opõe à inação.
- Zopiro decifrava o caráter das pessoas pela fisionomia. De Sócrates disse "esse homem possui os piores vícios e apetites", e Sócrates respondeu que Zopiro o conhecia muito bem. § Isso pode ser interpretado pelo princípio de integração: Sócrates tem tais vícios e apetites, mas os domina –– integração entre o real e o ideal. § [Mas digo que há também uma postura de educação pela contradição: feiúra física e beleza da alma. § No princípio de integração, nada é estático e fixo.}
- As sensações físicas prazerosas devem ser limitadas, sem a pessoa se entregar a elas, pois entrando em tal propensão não é fácil controlar-se.
- Não que devam ser suprimidos, mas se forem desligados do estilo de vida e do contexto mais global –– ou seja, do princípio de integridade –– prazeres podem acabar contendo o seu próprio reverso, uma contrapartida oposta [notar semelhança xom estóicos... várias passagens levam a crer que Xenofonte foi uma das fontes da releitura estóica de Sócrates.]
- [pág. 83] Xenofonte apresenta crítica de Sócrates a Aristipo dizendo que há diferença entre sofrimentos voluntários e involuntários, porque nos voluntários há o prazer da "doce esperança" e o trabalho ou exercício da realização, que é virtuoso e formador.
- Para Xenofonte o ensino de Sócrates, por uma questão de realismo, acaba sendo para líderes de todos os tipos e áreas apesar do ideal de servir para todos –– daí se deduz integração entre real e ideal. § [Eu só deduzo elitismo –– de Xenofonte, não de Sócrates.]
- Para Xenofonte, Sócrates pretendia uma monarquia de um sábio preparado filosoficamente, e limitada por leis. § [Recuso essa leitura: Xenofonte (assim como Platão) era aristocrata. Além disso Xenofonte era pró-Esparta e alinhou-se junto aos 30 tiranos no golpe antidemocrático em Atenas, daí sua interpretação. Entretanto, Sócrates rejeitou as ordens dos 30 tiranos inclusive pondo em risco sua própria vida, salva apenas pelo contragolpe dos democratas que tiraram esses tiranos aristocratas do poder.]
- "A realidade é, primeiramente, sinônimo de absoluta relatividade; bem como de indivisibilidade, proporcionalidade e simultaneidade dos aspectos opostos que a compõem. Sinônimo, também, de inexorabilidade, indispensabilidade e limitação (formal e funcional); de incerteza, inconstância, incompletude e imperfeição, relativamente" [pág. 86]
- Mas o real pode ser aproximado do ideal.
- O discurso integrador de Sócrates tende a ser mais conciliador, aberto a negociações.
- Oligarquicamente ou democraticamente, ser político na época era defender o "autogoverno" (segundo Izzy Stone) e Sócrates não defendia o autogoverno mas o governo por aquele que sabe, pela verdade § [–– Discordo. Conheço aliás o livro de Stone, que defende a tese de que Sócrates era de fato perigoso para a democracia e sua condenação à morte democraticamente correta. Discordo total, completa e absolutamente da tese famosa de Stone, e tenho em casa outros 3 livros versando sobre o mesmo assunto muito mais cuidadosa e detalhadamente do ponto de vista jurídico que também discordam dele, e são livros incomparavelmente melhores, embora nem de longe tão conhecidos.]
- Sócrates, "por outro lado, poderia até ser tomado, de acordo com o que se observa em Memorabilia de Xenofonte, como um "amigo do demos" –– [pág. 89] –– que teria tido falta de senso estratégico por excesso de idealismo.
- [O autor Flávio Luiz Mestriner Leonetti para mim é suspeito na litura dos propósitos políticos de Sócrates, porque perde a objetividade e se desmancha em elogios ao que pode ser tomado como (e por mim é) algo horrível : a República mal-disfarçadamente ultra-autoritária proposta por Platão [cf. pág. 86].
- Em favor da leitura aristocrática de Xenofonte, Leonetti alega estar o princípio de integração que traz o discurso conciliador, de unidade com o outro, ao invés do discurso agressivo que é o que poderia jogar as pessoas contra Sócrates. O raciocínio parece ser o seguinte: se Sócrates fosse democrata, só seria condenado pelos democradas se tivesse um discurso agressivo, de modo que se não tinha esse discurso agressivo, teriam se voltado contra ele por ser favorável à aristocracia. § "Sócrates, ao buscar intensamente a areté, parece ter gerado, em suas relações sócio-políticas, certas antipatias. Ser rigoroso e implacável sem, simultaneamente, ser tolerante e clemente, talvez seja, mesmo, de pouca funcionalidade, dentro da realidade relativa: a ironia e a crítica direta tampouco deixam de ser provocadoras" [ pág. 89]... mas o discurso de Sócrates não era assim: era integrador e tinha além disso autocrítica antecipada. § [Discordo que o discurso integrador de Sócrates refute o democratismo e que atenue as tensões provocadas pelas posições dele. Acho que Leonetti incorpora tantas facetas nesse "princípio de integração" que quase o desfigura em uma nuvem conceitual vaga e pastosa... passa aqui a se confundir com uma espécie de ecletismo. Eu reconceituaria de modo mais preciso e um pouco mais restrito esse princípio, dando-lhe maior poder informativo. Ou será que ele ou Xenofonte realmente acreditavam em um vago ecletismo da parte de Sócrates no trata com posicionamentos diversos?!]
- Uma coincidência entre Críton de Platão e o Memorabilia de Xenofonte: Sócrates criticaria a incapacidade da multidão para boas decisões porque a Democracia não oferecia educação nenhuma para isso. § [Vejo exagero dos 2 aristocratas na crítica à democracia que atribuem a Sócrates.]
- Platão ressalta (em "Górgias") a busca de Sócrates pelo bom, belo e justo. Xenofonte, nas "Memorabilia", ressalta a busca do útil e concreto [pág. 90]
- [pág. 91] Falando sobre as divindades, Sócrates situa o homem como parte de um ordenamento inteligente da natureza.
- Valorização do autocontrole por Sócrates.
- Debatendo com Antífon, Sócrates diz que "está sempre treinando seu corpo para a realização de qualquer potencial dele" (Xenofonte interpreta que é para se limitar a atender necessidades, e que o treinamento está principalmente em abster-se de prazeres superficiais.) [pág.94]
- O satisfazer-se com o necessário liberta do apego ao supérfluo, e por isso torna a pessoa mais valorosa para os outros (amigos, a pátria em caso de guerra etc.) [pág. 95-96]
- Mas pouco antes, Sócrates parece valorizar a própria carência do necessário na forma de uma vontade maior: "quanto maior o apetite, menor a necessidade de condimentos dispensáveis, e quanto maior a satisfação em beber o necessário, menor é a atração por bebidas desejosas, que não se tem disponíveis" [pág. 95-96] § Por um lado, o "maior apetite" parece produzir o senso do necessário, e levar ao abandono do dispensável. Por outro, lado o satisfazer-se com o que se sente como o "necessário" (ou "suficiente") liberta do dispensável. Importa notar que o "neessário" se confunde com o "julgado suficiente" a partir de um apetite aumentado pela carência, pelo sentido do que "falta".
- O suficiente parece ser o que se ajusta à medida do útil, que também mede o "valor" das coisas, por exemplo das ações. § Sócrates "mostraria quão sem valor (inútil) é a reputação de saúde, coragem, ou força, quando não merecida". § É inútil (sem valor "o que está fora do alcance da condição humana de cada um". § "Tarefas ou realizações além de seus poderes estão estabelecidos na impotência, e nenhuma misericórdia se mostra a quem desaponta a expectativa formada em relação à sua capacidade" [grifos meus] § Trata-se de não ficar nem além nem aquém da capacidade, para manter-se no útil. [pág.97]
- Se o conjunto do que condiciona a vida humana, em todos os seus aspectos, envolve "tantas incógnitas e variáveis, em desiguais proporções de influência –– sempre mutável", por outro lado é possível se manter sempre "ao menos em alguns aspectos, em processo constante de treinamento e aperfeiçoamento" para lidar com isso, o que é libertador. [pág.98]

