(1902 - 1994)

Foto de Popper

Diálogos & Debates de Karl Popper

Texto escrito por João R. A. Borba - Em outubro de 2004 (com acréscimos em julho de 2014)

 

Quais o principal debate em que a teoria de Popper está envolvida?

Karl Popper, importante filósofo da ciência, é o criador do falsificacionismo, teoria segundo a qual a melhor orientação para o desenvolvimento da ciência não é o esforço dos cientistas para comprovarem as teorias científicas, mas o esforço para falsificarem essas teorias, ou seja, para comprovarem que são falsas, e que devem ser abandonadas em busca de teorias melhores.

Essa primeira noção geral a respeito de sua teoria pode passar ideias distorcidas quanto ao que ele combate e o que ele defende. Popper não considera simplesmente "falso" tudo o que se pensa na ciência ou a respeito da ciência. Seu falsificacionismo não é isto. Então vamos começar colocando com clareza aquilo que ele não combate.

A ciência costuma supor que exista uma estrutura da realidade, segundo a qual se ordenam os fatos que podemos observar no mundo. Esta suposição se chama "realismo metafísico", porque é a suposição de uma realidade (uma ordenação lógica ou uma estrutura profunda) que está para além do mundo físico como o percebemos no dia a dia.

A noção de que o mundo é feito de átomos que interagem uns com os outros segundo uma certa lógica que deriva das suas características, por exemplo, está apoiada em uma postura realista metafísica, porque o mundo físico que percebemos no dia a dia não é o dos átomos, os átomos estão para além daquilo que percebemos diariamente.

A teoria de Popper não contradiz isto, pelo contrário: ela também se apoia em uma postura realista metafísica, parte dessa mesma suposição bastante comum entre os cientistas.

A ciência além disso, tenta construir teorias que correspondam a essa estrutura (o que se chama "correspondencialismo"). Popper também não é contra o esforço de fazer as teorias científicas corresponderem à realidade. Mas aqui, sua postura já se mostra diferente daquela que é a mais comum entre os cientistas.

Para Popper, o otimismo excessivo em relação a uma teoria, o excesso de crença de que ela efetivamente corresponde à realidade, é na verdade anticientífico, acaba prejudicando a ciência mais do que ajudando-a.

Ele continua defendendo o correspondencialismo, mas apoiado em uma postura mais radicalmente crítica em relação às nossas próprias teorias. Acha mais valioso para a ciência descobrirmos as falsas correspondências das teorias com a realidade, do que cultivarmos ficarmos cultivando os supostos pontos de correspondência que já atingimos. Mesmo porque a história da ciência sempre acaba derrubando, cedo ou tarde, teorias que nos pareciam firmemente estabelecidas.

Portanto, Popper entra em confronto com aqueles que procuram evitar críticas e refutações às suas teorias: uma teoria científica, para ele, não deve ser defendida, e sim criticada, para examinarmos o quanto ela pode resistir à descoberta de pontos falsos em sua estrutura. Parece haver aí uma suposição popperiana de que, se algo resiste à falsificação, é porque deve ter uma correspondência um pouco melhor com a estrutura da própria realidade.

Por isso, se devemos aceitar o realismo metafísico, supor que há uma estrutura profunda da realidade, da qual nossas teorias científicas podem e devem tentar se aproximar, não faz sentido temer ou evitar a falsificação das teorias. Cada ponto falso que descobrimos em uma teoria nos faz escapar de um erro, e nos aproxima mais dessa correspondência com a realidade, eliminado aqueles pontos em que temos certeza que nossas teorias não correspondem aos fatos, porque temos certeza de que são falsos.

Finalmente, podemos observar que a ciência, conforme "progride", procura avançar sempre para teorias que se aproximem cada vez mais dessa suposta estrutura da realidade. Isto de chama convergencialismo, e é a noção de que todas as mais variadas teorias científicas, mesmo quando se contradizem umas às outras, estão nesse mesmo movimento no sentido de uma convergência para a correspond~encia mais perfeita possível com a estrutura profunda da própria realidade.

O falsificacionismo de Popper também não combate isto. Pelo contrário, tende a submeter o correspondencialismo ao convergencialismo, e por sua vez, submeter o convergencialismo ao realismo metafísico.

Isto é, defende que as teorias científicas precisam desse movimento de convergência para uma correspondência cada vez melhor com a estrutura da realidade, que é o que caracteriza o "progresso" científico, e que se não houver uma convergência cada vez maior nesse sentido, a suposição de correspondência com a realidade se torna uma ilusão.

Não adianta defender que uma teoria corresponde à realidade se não se der atenção ao fato de que essa correspondência da ciência com a realidade está sempre em movimento, se aproximando cada vez mais dessa realidade, convergindo para ela.

Para que a ciência avance nesse movimento de convergência rumo à realidade, teorias devem ser falsificadas e substituídas por outras mais próximas dessa realidade. E isto (a falsificação de teorias) é mais importante para garantir esse progresso rumo à realidade do que ficarmos estacionados em teorias que não foram suficientemente testadas para revelarem seus pontos fracos.

E o realismo metafísico é o que dá sentido a tudo isto afinal, porque a suposição de uma estrutura profunda da realidade da qual nossas teorias podem ir se aproximando, é o que nos dá segurança para nos dedicarmos acima de tudo à falsificação das teorias.

Asuposição realista metafísica nos assegura que não precisamos nos apegar às nossas teorias, porque há uma realidade por detrás delas da qual preceisamos nos aproximar sempre mais, e da qual não vamos conseguir nos aproximar sem ultrapassar o ponto em que chegamos até o momento, ou seja, sem falsificar e descartat as teorias atuais por outras mais avançadas no caminho da convergência com a realidade.

Boa parte dos debates filosóficos em que Popper está envolvido envolve o enfrentamento de teorias que se constroem sem deixar claros os seus limites, o modo como devem ser testadas para poderem ser talvez refutadas, ou se constroem apoiadas em mecanismos que servem para seus defensores evitarem toda e qualquer crítica ou refutação, como se a maior qualidade de uam teoria científica estivesse em não ser nunca refutada.

De todos esses efrentamentos de Popper na filosofia da ciência, o mais intenso e acirrado é o debate com as teorias dialéticas. Já existia na história da filosofia um constante debate entre dialéticos que não aceitam as abstrações da lógica, e lógicos que não aceitam as indeterminações e imprecisões que sempre estçao envolvidas nos raciocínios dialéticos, porque faz parte da própria dialética lidar com realidades indeterminadas, fluidas, que estão em transformação e apresentam contradições a todo momento. Na verdade o raciocínio dialético não apenas tolera contradições, mas segundo a imensa maioria dos dialéticos, se apoia nelas.

Popper entra nesse debate ao lado dos lógicos contra a dialética. Porque considera a lógica como uma das principais ferramentas de falsificação das teorias — uma ferramenta que as falsifica justamente mostrando as contradições  dessas teorias. Mas como falsificar uma teoria que se apoia na dialética, se ao se apoiar nela, a teoria passa a aceitar a contradição e até se apoiar nela ao raciocinar?

Este é o problema de Popper em relação à dialética, e é o que torna seu debate com os dialéticos o mais importante daqueles em que está envolvido.

 

O que é importante na Lógica Clássica para compará-la com a Dialética?
E por que essa comparação é importante para entendermos Popper?

Três pontos a respeito da Lógica Clássica são importantes para podemos compará-la com a Dialética: a valorização do pensamento formal e abstrato, o princípio de identidade, e as relações do princípio de não contradição com o operador lógico de negação (aquele que tem o símbolo "¬").

Os debates entre lógicos e dialéticos são tão frequentes desde o século XIX que se tornaram algo já tradicional na história da filosofia. O mais antigo antepassado dos lógicos, Parmênides (ainda mais antigo que o inventor oficial da lógica, Aristóteles), já estava em debate, sete séculos nates de Cristo, com o mais antigo antepassado dos dialéticos, Heráclito.

Popper reavivou esse debate mais uma vez no século XX, tomando partido dos lógicos contra os dialéticos, a partir de um novo ponto de vista, uma nova maneira de se compreender a ciência, que ele chamou, como já mencionamos, de "falsificacionismo".

 

O que é a Lógica Clássica?

A Lógica Clássica é uma linguagem artificial assumidamente abstrata, apoiada na Teoria dos Conjuntos da matemática. Ela se abstrai (se subtrai, se retira, se afasta) de todos os conteúdos que podemos observar na realidade, substituindo-os por "letras" que só servem para diferenciar um conteúdo de outro a fim de evitar confusões, e quando fazemos afirmações a respeito desses conteúdos, a Lógica trata essas afirmações como se estivéssemos sempre dizendo que esse conteúdo (não importa qual), que é representado por uma letra, "está" ou "não está" em um conjunto.

Então, por exemplo, se dizemos que "Haroldo é filósofo", para os lógicos estamos apenas dizendo que um termo ("Haroldo") tem uma certa propriedade (é "filósofo"), e é como se disséssemos que o elemento "Haroldo" está no conjunto dos "filósofos". Se "Haroldo" realmente estiver nesse conjunto, o que dissemos é verdadeiro, se não estiver, o que dissemos é falso.

O objetivo da Lógica é compreender como raciocinamos e, principalmente, descobrir regras de tornem os raciocínios perfeitos, para podermos chegar a conclusões a respeito das coisas usando só o raciocínio, sem precisarmos recorrer à observação ou à experiência durante todo o raciocínio, mesmo que no começo dele tenhamos partido de algum fato que realmente observamos no mundo.

O que interessa aos lógicos é desenvolver formas de raciocínio tão perfeitas, que partindo de uma observação verdadeira nós não precisemos observar mais nada, e possamos, só pelo uso do raciocínio, chegar a uma conclusão que também seja verdadeira.

Os lógicos conseguiram muito sucesso nisso graças a esse esforço de abstração, de esvaziar a cabeça de todos os conteúdos e pensar à maneira dos matemáticos; e várias linguagens artificiais igualmente perfeitas para o raciocínio (ou seja, várias outras "lógicas") foram desenvolvidas ao lado da Lógica Clássica, e quase sempre apoiando-se parcialmente nela.

 

Quais os principais pontos de atrito entre a Lógica e a Dialética?

Duas das principais regras da Lógica Clássica para garantir um bom raciocínio são o princípio de identidade e o princípio de não-contradição. Veremos que a dialética, como a entendemos nos dias de hoje, é uma linha de pensamento que recusa a tendência dos lógicos para a abstração e o pensamento formal, que recusa também o primeiro desses dois princípios da Lógica (o de identidade), e recusa ou pelo menos muda o sentido do segundo (que é o de não-contradição).

Para entendermos isso, primeiro precisamos entender esses dois princípios da Lógica e o que eles significam. O princípio de identidade é a regra que diz que uma coisa é sempre idêntica a si mesma. Se uma coisa "A" se transforma em uma coisa "B", a coisa "A" deixou de existir e a coisa "B" passou a existir no lugar dela: "A" é substituída por "B" completamente, a coisa ou é "A" ou não é, é "B" ou não é. Não existe meio-termo, uma coisa não pode ao mesmo tempo "em certa medida ser A e em certa medida não ser A ", assim como não pode "em certa medida ser B e em certa medida não ser B".

Mesmo que no mundo nem sempre pareça que as coisas aconteçam exatamente assim, é assim que os lógicos dizem que as coisas devem acontecer no nosso raciocínio, se quisermos ser capazes de raciocinar bem e chegar a conclusões verdadeiras só pela força do raciocínio.

Ou seja, para raciocinarmos logicamente, devemos raciocinar como se as coisas fossem assim — e também é assim que os matemáticos raciocinam. Na matemática, as coisas são sempre identicas a si mesmas. Sem isso, não conseguiríamos identificar as coisas direito, não saberíamos dizer se uma coisa ainda é aquilo que ela "já foi" ou se ela já é aquilo que "está passando a ser". Por isso, segundo os lógicos, o melhor é simplificarmos as coisas dessa maneira para podermos raciocinar a respeito delas com mais precisão.

Em outras palavras, segundo o princípio de identidade da Lógica, o raciocínio que pode chegar sozinho a conclusões verdadeiras é aquele que trabalha com elementos que não estão em transformação, que são sempre aquilo que são, sempre idênticos a si mesmos.

Se as coisas no mundo sobre as quais estamos raciocinando não parecem ser assim, devemos tratá-las como se fossem. Podemos notar aí claramente o parentesco com o pensamento de Parmênides, na Grécia antiga, para quem a Verdade deveria ser buscada em algo imutável, perfeito e eterno, que existia num plano metafísico, fora deste mundo.

O princípio de não-contradição é a regra que diz que tudo aquilo que é contraditório, é falso, ou seja, só podemos aceitar como verdadeiro o que for coerente e sem contradições. Ele está bastante ligado ao princípio de identidade.

Na linguagem dos lógicos, diríamos que, segundo o princípio de não-contradição, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo "A" e "não-A". E esta é a ligação entre o princípio de não-contradição e a negação lógica. Por exemplo: ou está chovendo, ou não está. Não pode ao mesmo tempo estar chovendo e não estar chovendo, porque isso seria contraditório, seria o mesmo que em lógica dizer "C & ¬C", e portanto, quem dissesse isso estaria necessariamente dizendo algo falso, pois para que "C" seja verdadeiro, "¬C" precisa ser falso, e vice-versa.

Os lógicos hoje são os principais herdeiros da filosofia de Parmênides. Os dialéticos, que pensam de um modo bem diferente deste, são herdeiros de Heráclito, para quem tudo no mundo muda constantemente, e é nessa mudança que temos que encontrar a verdade das coisas.

O modo como os dialéticos pensam essa mudança constante das coisas torna impossível aceitar o princípio de identidade da lógica, porque nas coisas estão a cada instante mudando de identidade. Também torna inaceitável o princípio de não-contradição, porque para eles cada coisa está, durante todo o seu processo de desenvolvimento, em contradição com forças que promovem a negação.

 

O que é a dialética?

Os primeiros a usarem o termo "dialética", na Grécia antiga, não foram os heracliteanos, mas principalmente Sócrates, que é difícil definir o quanto é heracliteano ou parmenideano, e os parmenideanos que vieram depois dele, como Platão e Aristóteles. Para todos eles, a palavra "dialética" ainda estava muito ligada à noção de "diálogo", como debate entre opiniões diferentes.

No século XIX, o filósofo Hegel definiu "dialética" no sentido em que usamos essa palavra hoje, e depois dele, Marx passou a usá-la também nesse sentido, desenvolvendo-a de uma maneira que hoje é a mais reconhecida e aceita.

Se os pensadores da antiguidade tratavam a "dialética" como uma forma de diálogo, os dialéticos de hoje, principalmente a partir de Marx, passaram a ver esse "diálogo" acontecendo não só entre opiniões, mas entre as próprias coisas que acontecem no mundo, como se em todas as coisas houvesse alguma contradição, não no sentido lógico, mas no sentido de forças em oposição — como se em cada coisa no mundo houvesse algum jogo de forças contrárias.

Assim, por exemplo, mesmo quando uma pessoa fala sozinha, no fundo a fala dela está acontecendo carregada de oposições, de influências contraditórias, e mesmo quando a pessoa é bastante coerente, aquilo que ela diz está carregado de oposições a coisas ditas por outras pessoas, de forma que o diálogo não aparece à primeira vista, mas está lá. E a mesma coisa vale para o próprio comportamento das pessoas, mesmo quando estão silenciosas. A oposição entre organizações patronais e sindicatos de trabalhadores, por exemplo, é uma oposição dialética, mesmo que ninguém chegue a dizer uma única palavra.

 

A Lógica e a Dialética são necessariamente opostas?

Muitas vezes ocorrem conflitos de opinião entre lógicos e dialéticos, como se cada uma dessas posições contradissesse a outra, mas na verdade, são duas propostas bem diferentes, e não são necessariamente contraditórias — mas é natural que acabem se chocando em alguns pontos, e podemos perceber isso facilmente comparando as duas propostas.

Os dialéticos não estão interessados em descobrir as regras para um raciocínio perfeito: a proposta da dialética é a de conhecer as coisas concretamente, com todo o contexto em que elas aparecem e tudo o que está relacionado a elas, sem fazer nenhuma abstração.

Para um dialético, por exemplo, qualquer raciocínio está necessariamente sendo feito por alguém, que tem uma história de vida e que vive em um certo contexto histórico, sofrendo influências políticas, econômicas, sociais, culturais etc., e tudo isso precisa ser levado em consideração no próprio raciocínio. Existem por exemplo ações sendo realizadas por pessoas ao redor dessa pessoa que raciocina, e ao expôr um raciocínio, a pessoa que raciocina de certa maneira também está agindo sobre aqueles para quem expôs esse raciocínio — e tudo isso também deve ser levado em consideração.

Qual é a relação de um raciocínio que estamos fazendo com tudo isso que existe à nossa volta? De que maneira e em que medida podemos estar interferindo em tudo isso ao expormos o nosso raciocínio? E de que maneira e em que medida tudo isso já não está interferindo também no próprio raciocínio que estou desenvolvendo e expondo?

Mas existem dialéticos que pensam a Lógica como um momento útil dentro do raciocínio dialético, que seria então uma forma mais ampla de raciocinar, e que mesmo fazendo abstrações lógicas, deveria compreender o mundo concreto como o ponto de partida dessas abstrações e também como o ponto de chegada, sendo melhor compreendido depois delas.

Mesmo assim, a compreensão só aconteceria quando o pensamento voltasse para a realidade concreta, para entendê-la como um todo dinâmico que na verdade não se divide naquelas partes abstratas. A abstração seria apenas um trabalho mental realizado de passagem, num certo momento, para ajudar o pensador a captar melhor essa realidade concreta como um todo que não se divide porque suas contradições estão entranhadas umas nas outras e não podem existir umas sem as outras.

 

Como o dialético acha que são as oposições dialéticas?

Para os dialéticos, todos as oposições dialéticas acontecem do seguinte modo: temos alguma coisa que se apresenta no mundo de uma certa maneira, e essa maneira de se manifestar dessa coisa, é como se ela tomasse uma posição em um debate.

Em grego antigo, "posição" se dizia "thesis", e os dialéticos adotaram essa terminologia. Então, primeiro temos a tese (uma tomada de posição feita por alguma coisa ou alguém), em seguida, de uma maneira bastante parecida com a da lei da ação e reação da física, começa a surgir a partir dessa tomada de posição da tese, que exerce uma certa pressão sobre o ambiente ao redor, uma resistência desse ambiente; essa resistência que vai se formando conforme a tese se desenvolve e se afirma cada vez mais, e torna-se uma reação contrária à tese, que é o que os dialéticos chamam de anti-tese ou "antítese" (palavra que em grego antigo queria dizer contraposição).

Depois que o conflito amadurece até um certo ponto, começa a surgir o que os dialéticos chamam de uma sin-tese ou síntese (palavra que em grego antigo queria dizer com-posição, ou composição). A síntese é uma composição mais ou menos imprevisível (para o horror dos lógicos) que resulta dessa oposição entre a tese e a antítese, e na qual as forças em contradição de alguma maneira se acomodam ou se equilibram, apesar de continuarem em oposição. E então, o conjunto (ou seja, a síntese) passa a se comportar como uma nova tese, afirmando-se cada vez mais sobre o ambiente mais amplo ao redor e provocando uma nova antítese, e assim por diante.

 

Qual é a importância do modo dialético de pensar?

O que tem sido considerado o ponto forte da dialética, é que ela tem servido para pensarmos como as coisas se transformam ao longo do tempo, por exemplo como ocorrem as transformações históricas na humanidade, ou em uma sociedade determinada.

Temos um primeiro momento que é o momento da tese, em que uma situação se afirma, um segundo momento que é o da antítese, pois quando a primeira situação se desenvolve até um certo ponto, começa a chegar nos limites de seu desenvolvimento e começam a surgir oposições a ela, que quando tomam forma nítida são reconhecidas como sendo essa antítese.

Depois as duas situações, mesmo continuando em conflito, vão se "acostumando" uma à outra, diminuindo a intensidade do conflito, e formando uma situação mais geral que é de algum modo uma composição das influências da tese e da antítese — a síntese. E essa situação nova que é a síntese, também vai se tornar uma nova tese e começar a desenvolver-se até o seu limite provocando novas oposições, que vão formar uma nova antítese, e assim por diante, geração após geração, época após época.

 

Os lógicos e os dialéticos nunca se entendem uns com os outros?

Muitas vezes os lógicos e os dialéticos entraram em conflito de opiniões. Existem tentativas de muitos dialéticos no sentido de conciliar as duas posições, procurando mostrar que na prática, de algum modo, são complementares, a lógica cuidando do campo dos raciocínios e a dialética da relação entre os raciocínios e o mundo. Mas nem todo mundo concorda com isso, e raramente encontramos um lógico disposto a tentar entender a dialética, que do ponto de vista da lógica, sob vários aspectos parece errada desde o início.

Do ponto de vista dos dialéticos, o principal problema da lógica é que ela se desliga da realidade em que os próprios lógicos vivem no dia-a-dia, e nos ajudam mais a "fugir" da realidade do que a compreender o mundo em que vivemos e interagir com ele.

Mesmo assim, existem muitos dialéticos que se dedicam a estudar lógica e tirar algum proveito, considerando a própria lógica como uma parte do conjunto da realidade, e procurando entender qual é a posição que a Lógica, como um todo, representa nos conflitos que formam o mundo, se ela faz parte do desenvolvimento de alguma tese, de alguma antítese ou de alguma síntese nos movimentos dialéticos do mundo ao redor dela, para avaliar de que maneira deve se posicionar em relação a ela.

Já entre os lógicos, é difícil encontrar quem se disponha a estudar a dialética, que geralmente parece "confusa" demais para pessoas que têm uma cabeça mais matemática.

Os principais problemas, do ponto de vista da lógica, são:

 

De que modo Popper reavivou o debate entre Lógica e Dialética?

Foi um debate importante entre o filósofo K. Popper e o famoso dialético chamado T. Adorno o que colocou de novo os lógicos e os dialéticos em oposição uns aos outros.

Popper não é exatamente um lógico: é um filósofo que se preocupa acima de tudo com filosofia da ciência, mas seu posicionamento se apoia muito na Lógica Clássica. E vem escrevendo contra os dialéticos há bastante tempo, dizendo basicamente que as teorias baseadas na dialética não podem ser científicas porque no fundo são todas logicamente triviais — o que, segundo a linguagem dos lógicos, quer dizer que são teorias onde "vale tudo" e que por isso parece que servem para provar qualquer coisa (porque um dialético consegue achar explicações dialéticas para tudo), quando na verdade não provam nada justamente porque são o reino do "vale-tudo". Um "vale-tudo" onde não existe nenhuma regra que determine claramente o que vale e o que não vale nos nossos raciocínios a respeito das coisas, como se todo e qualquer raciocínio que pudesse ser interpretado da forma tese-antítese-sintese fosse igualmente correto, só por ser interpretado dessa maneira.

Os críticos que examinam o assunto, dialéticos ou não, e até alguns antigos alunos e seguidores de Popper que se tornaram famosos em filosofia da ciência, como Paul K. Feyerabend e Imre Lakatos (que não são dialéticos), em geral têm avaliado que as críticas de Popper à dialética são na verdade muito ingênuas.

Popper não parece compreender — parece até mesmo recusar-se a enxergar — quais são os objetivos da dialética, qual é a proposta dos dialéticos, aquilo que eles pretendem; e trata a dialética como se ela quisesse substituir a lógica e não tivesse competência para isso.

Mas Popper não é um ingênuo qualquer tentando criticar aquilo que não entende: é considerado hoje um dos maiores filósofos da ciência vivos — e continua insistentemente atacando a dialética. Isso nos leva a tentar compreender por que.

Escreveu por exemplo, contra o marxismo (ou seja, contra os seguidores de Marx, que é considerado, depois de Hegel, o maior dialético que existiu), um livro em dois grossos volumes chamado A sociedade aberta e seus inimigos, e mais tarde, contra Hegel e os marxistas, um ensaio chamado O que é dialética?, onde procura demonstrar com argumentos ponto por ponto onde, como e por que a dialética é falha e inútil do ponto de vista da lógica.

 

O que levou Popper a se posicionar contra os dialéticos?

O título de um livro de Popper que já mencionamos — A sociedade aberta e seus inimigos — já nos dá uma pista: Popper acha que a dialética é uma teoria inimiga da "sociedade aberta" (que se pode entender como sociedade democrática).

Mas de onde ele tirou essa idéia?

Provavelmente do que aconteceu na União Soviética sob o governo de Stalin: em 1918 a Rússia passou por uma revolução comunista, formando com os países ao seu redor a União Soviética. Essa revolução foi liderada por um brilhante economista marxista (dialético) chamado Lenin, que assumiu o poder. Mas quando Lenin ficou velho e doente, havia dois candidatos marxistas ao cargo: Trotsky e Stalin.

Stalin subiu ao poder através de tramas políticas e foi arranjando um jeito de mandar prender ou matar seus adversários no governo. Trotsky foi deportado, e muitos anos mais tarde, quando estava morando no México, foi assassinado por ordem de Stalin, que tinha medo que ele voltasse. Stalin foi um dos ditadores mais cruéis da História e costuma ser comparado com Hitler.

Mas o que tudo isso tem a ver com a dialética?

Stalin se dizia marxista e portando, indiretamente dialético. Mas será por causa da dialética que ele se tornou um terrível ditador? — Os marxistas em geral, que estudam muito o que aconteceu na União Soviética, dizem que uma coisa não tem quase nada a ver com a outra e que, aliás, Stalin na prática era muito pouco dialético. Muitos dizem inclusive que ele distorceu — e muito — o pensamento original de Marx.

Mas não parece ser o que Popper pensa. Para ele, a dialética leva as pessoas a pensarem historicamente (ou seja, a levarem em consideração a importância do modo como as coisas vão acontecendo ao longo da História), mas de uma maneira que já está predeterminada desde o começo por causa da dialética, porque desde o começo sabemos que há uma tese, que vai surgir uma antítese e que disso resultará uma síntese. E para os marxistas, grosso modo, os grandes representantes dessas três fases históricas são:

Stalin também seguia essa linha de raciocínio. O problema é que acabou ficando no poder mais de 20 anos, e essa situação de liberdade da síntese parecia que não ía chegar nunca, mais do que isso: o governo comunista, que deveria libertar os trabalhadores da exploração da burguesia, realmente acabou com a burguesia, mas passou a explorar os trabalhadores de uma maneira ainda pior.

Talvez esse raciocínio dialético a respeito das fases da História não estivesse tão correto, afinal de contas, mas será que podemos generalizar esse erro e afirmar, como Popper, que isso quer dizer necessariamente que a dialética está sempre errada? Esta não é a única maneira possível de se examinar a História dialeticamente, e esse não é o único caso em que alguma coisa foi pensada dialeticamente.

Além disso, a maioria dos dialéticos acusa os stalinistas de não saberem usar direito a dialética, porque a transformam numa espécie de mecanismo para justificar a idéia de que o futuro já está predeterminado (e por coincidência será justamente do modo como eles acham que deve ser), quando na verdade a dialética diz, por exemplo, que é imprevisível como será exatamente essa síntese. Outros dialéticos vão ainda mais longe, e lembram que, na dialética, nada garante que uma síntese seja sempre algo necessariamente "bom", e que a dialética prediz apenas que alguma síntese vai acabar ocorrendo.

Alguns dialéticos costumam achar que Popper está se aproveitando dos erros de Stalin para atacar todos os dialéticos em conjunto, dizendo que defende a democracia, mas na verdade defendendo o capitalismo e, portanto, a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas — que na prática, de um modo ou de outro são quem consegue estar sempre no poder nas democracias de hoje, porque têm dinheiro para bancar a campanha de seus candidatos e por uma porção de outras razões.

 

Quais são exatamente as críticas de Popper à Dialética?

As críticas de Popper à Dialética, se as examinarmos com atenção, estão todas ligadas à lógica, e principalmente à relação que a Lógica Clássica faz entre o princípio de não-contradição e o operador lógico de negação (aquele que tem o símbolo "¬").

Vejamos: como funciona o operador lógico de negação?

A negação é um operador lógico que pode ser aplicado a qualquer afirmação que possa ser considerada como verdadeira ou falsa.

Quando afirmamos que algo tem uma certa propriedade ou que entre um certo número de elementos existe uma certa relação, a afirmação pode ser verdadeira ou falsa — o que dizemos que são os possíveis valores de verdade dessa afirmação. Quando aplicamos a essa afirmação o operador lógico de negação, invertemos o seu valor de verdade. Assim, a negação de uma afirmação verdadeira é falsa, e a negação de uma afirmação falsa é verdadeira.

Mas esse operador lógico pressupõe um limite determinado entre uma afirmação e sua negação, de tal modo que uma afirmação só pode ser ou exclusiva e completamente verdadeira, ou exclusiva e completamente falsa.

Surge, então uma questão: o que ocorre se determinarmos, como os dialéticos fazem, que a negação de algo (ou seja, a sua antítese) emerge gradualmente daquilo que pretende negar (que é a tese)?

Se pensarmos desse modo, a rigor, a tese, a antítese e a síntese não constituem etapas estanques e distintas, mas apenas assinalam três momentos que apresentam uma certa regularidade, em um movimento que na verdade é sempre contínuo, mas heterogêneo (porque é contínuo mas vai mudando, se transformando aos poucos).

O primeiro resultado gritantemente avesso aos princípios da lógica clássica — mais precisamente ao princípio de não-contradição — é a noção de uma negação gradual. Na dialética, a antítese não nega de repente e de uma vez toda a tese: ela nega a tese gradualmente e cada vez mais.

Aliás, a própria tese não aparece completa de uma vez só: ela vai aparecendo e se afirmando gradualmente, e quanto mais ela aparece e se afirma, mais a antítese, que é a sua negação, vai aparecendo e se afirmando junto com ela (e contra ela). Isso é completamente diferente do modo de pensar da Lógica Clássica, e essa diferença aparece nitidamente quando comparamos a negação da tese pela antítese com a operação de negação da Lógica Clássica.

É importante lembrarmos que a Lógica Clássica trabalha com a Teoria dos Conjuntos da matemática. Imaginemos um conjunto "P" qualquer. Para a Lógica Clássica, o mesmo elemento ou está no conjunto "P" ou não está nele. Não é possível que ele ao mesmo tempo esteja e não esteja no conjunto "P", porque os conjuntos matemáticos têm sempre um contorno bem definido, que costuma ser representado por uma linha formando uma curva completamente fechada — um círculo por exemplo — e só há duas possibilidades para um elemento: ou ele está de um lado dessa linha que divide o que é do conjunto e o que não é, ou está do outro lado; ou está dentro do conjunto ou está fora.

Quando o lógico diz "Pb", está dizendo que o elemento "b" está dentro do conjunto "P". Se estivermos usando como símbolo para a negação o sinal "¬" (que é bastante tradicional para isso), podemos dizer que quando o lógico diz "¬Pb", está dizendo que o elemento "b" não está dentro do conjunto "P" e que, portanto, está fora do conjunto "P". Negar é negar de uma vez e completamente.

Se tentássemos representar no papel a negação da tese pela antítese dialética — assim como os lógicos representam a negação lógica desenhando conjuntos e elementos nesses conjuntos ou fora deles — não poderíamos representar a tese com um conjunto de contornos claramente definidos: o conjunto teria de ser algo que é "mais denso" no centro e que vai "se dissolvendo" conforme avança para fora, de forma que um elemento pudesse ser considerado "mais para dentro" ou "mais para fora" do conjunto.

 

A Lógica não tem nenhuma variação
que possa combinar melhor com a Dialética?

a partir do século XX, a lógica fuzzi (ou lógica difusa) e, principalmente, a lógica paraconsistente do brasileiro Newton da Costa, que são lógicas alternativas diferentes da Lógica Clássica, abrem a possibilidade de pensarmos logicamente essa negação dialética da tese pela antítese, e parece que em seus últimos textos Popper andou revendo suas posições depois de ter lido Newton da Costa.

Veremos que no fundo, o problema de Popper com a dialética é muito menos ligado à ditadura comunista de Stalin e a qualquer outro problema político, e muito mais ligado, em primeiro lugar, a problemas lógicos e de filosofia da ciência, que só como conseqüencia é que acabam desembocando também em problemas políticos.

O problema de Popper com a dialética é que, segundo sua teoria, ela representa um perigo para a ciência. É que ele construiu uma filosofia da ciência a partir da idéia de que uma boa teoria científica não é aquela que pode provar muito bem as coisas, porque é sempre possível construir uma teoria que queira (e consiga) explicar tudo a todo custo apenas para poder sempre dizer que está certa; e isso não quer dizer que essa teoria esteja realmente descrevendo como as coisas são na realidade, quer dizer apenas que ela se justifica muito bem e convence as pessoas. Para Popper, uma boa teoria científica é aquela que tenta realmente descobrir como as coisas são na realidade e que por isso se arrisca a estar errada.

E como nunca na história da ciência uma teoria esteve completa e absolutamente certa em todos os seus detalhes (senão não continuaria havendo avanços científicos até hoje) — e se alguma estivesse, não teríamos como ter certeza disto —, todas as teorias científicas têm algum ponto fraco, que precisa ser descoberto para que haja mais avanço científico.

Para Popper, aquelas teorias que não mostram nenhum ponto fraco e parecem explicar tudo, não estão sendo realmente científicas e tentando descobrir como as coisas são na realidade. Estão tentando apenas vencer as outras teorias a todo custo, e acabam funcionando como aquelas previsões de horóscopo que lemos nos jornais, por exemplo, que descrevem as coisas de uma maneira tão vaga, tão aberta e cheia de interpretações, que podemos entender aquilo do jeito que quisermos. Acabamos sempre achando que a previsão "no fundo" estava certa.

Para essa teoria de Popper, a dialética representa um perigo para a ciência, e um perigo muito sério, porque, segundo Popper, ela permite que uma teoria falsa escape dos testes que servem para encontrar os pontos fracos dessa teoria.

 

Como funciona o falsificacionismo de Popper,
e por que a Dialética é perigosa para a ciência desse ponto de vista?

Como é que podemos testar uma teoria científica para descobrir o seu ponto fraco e então trocá-la por outra, fazendo avançar a ciência?

Segundo Popper, é só verificar se a teoria não é contraditória com alguma experiência, ou seja, se ela não nega logicamente alguma coisa que seja comprovada pela experiência. Então o melhor modo de se fazer ciência, segundo Popper, é fazer experiências tentando provar que as teorias são falsas, ou seja, testando os pontos fracos das teorias científicas até encontrá-los. E assim, trocando sempre uma teoria por outra melhor, que pelo menos não tenha os pontos fracos da primeira, a ciência estará sempre progredindo. Essa posição de Popper chama-se falseabilismo, porque ele está mais interessado em demonstrar a falsidade das teorias do que em provar que são verdadeiras.

Para isso, Popper precisa da operação de negação da Lógica Clássica, porque é só através dela que ele acha que podemos testar as teorias científicas: se levantarmos em laboratório uma experiência que mostra um resultado que é negado pela teoria, a teoria é falsa, porque não pode afirmar ao mesmo tempo que esse resultado "ocorre e não ocorre".

O problema é que se a teoria for baseada na dialética, poderá dizer que o próprio fato de o resultado contradizer o que ela disse já está explicado e até previsto, porque esse resultado pode ser considerado a antítese daquilo que a teoria disse antes, e então tudo bem, é só tentar encontrar a síntese. Como a síntese é uma combinação da tese e da antítese, a antítese nunca vai servir para afirmarmos que a teoria era falsa e abandonarmos essa teoria, porque sempre poderemos inventar algum modo de combinar o que dissemos com esse resultado da experiência, que parecia nos contradizer.

É esse o perigo que Popper vê na dialética e procura combater: o perigo de nos apegarmos a uma idéia fixa e nunca mais a largarmos, apenas inventando sínteses para combinar e recombinar essa idéia com tudo o que aparecer para contradizê-la.

 

Como é que o perigo de nos apegarmos a uma ideia fixa,
que Popper vê na dialética, poderia ser ligado à ditadura de Stalin?

Stalin, em seu governo, fazia sempre isso: como todos os ditadores, se apegava firmemente à idéia de que estava sempre certo, e não aceitava nada que negasse suas posições.

Se alguém negasse o seu sistema de governo dizendo que era uma ditadura e que era ruim, Stalin jamais se perguntava se afinal havia alguma coisa de errado em seu governo: aqueles que o negavam deviam no fundo ser "traidores burgueses", e todas as prisões, torturas e assassinatos do governo stalinista eram justificados desse modo.

Isso quer dizer que, para Popper, é fundamental aceitarmos os nossos erros e até mesmo tentarmos encontrar os nossos pontos fracos para superá-los, e por isso, é importantíssimo examinar cuidadosamente e considerar com muita atenção tudo aquilo que nos contradiga, tentando verificar seriamente se não estamos errados e abandonando nossas posições quando descobrirmos em que ponto elas falham.

Para Popper, a liberdade de se negar uma coisa com a qual não se concorda está dependendo justamente da nossa capacidade de fazer isso, e ele acredita que a dialética dificulta as condições para fazermos qualquer autocrítica.

Os dialéticos, por outro lado, costumam observar que o próprio Popper não pratica a autocrítica com tanta facilidade quanto ele propõe: por exemplo, sempre mostrou uma dificuldade muito grande de aceitar qualquer outra lógica que não fosse a Lógica Clássica, a mais tradicional de todas, e só muito recentemente parece estar começando a dar alguma atenção para uma lógica alternativa (a lógica paraconsistente do brasileiro Newton da Costa).

Além disso, os próprios seguidores da Lógica Clássica em geral não costumam ter tanta auto-crítica, e mostram muito mais facilidade para criticar quem não concorda com eles. Mas nenhuma dessas observações é realmente tão importante.

 

Existe autocrítica na Dialética?

Não apenas existe autocrítica na dialética (ao contrário do que Popper procura sugerir) um ponto que torna os dialéticos — pelo menos os que realmente procuram ser dialéticos, e não pseudo-dialéticos como Stalin — extremamente auto-críticos, e que Popper não observa: para um dialético, como já dissemos, qualquer raciocínio está necessariamente sendo feito por alguém, que tem uma história de vida e que vive em um certo contexto histórico, sofrendo influências políticas, econômicas, sociais, culturais etc., e tudo isso precisa ser levado em consideração no próprio raciocínio.

Mas tudo isso, todo esse contexto que influencia o raciocínio, está em constante transformação, então cada um de nossos posicionamentos precisa estar sendo sempre reexaminado, porque o contexto sempre muda. Aquele que se apega a uma idéia fixa e jamais reexamina qual é o sentido que essa idéia assume em cada novo contexto, para verificar se ela ainda está valendo, não pode ser considerado realmente dialético, porque o próprio propósito da dialética é conhecer as coisas concretamente, com todo o contexto em que elas aparecem e tudo o que está relacionado a elas, sem fazer nenhuma abstração.

Se o contexto muda e nossos posicionamentos não são revistos para acompanharem essa mudança, eles se tornam uma abstração, estão fora da nova realidade, apesar de terem servido muito bem para a realidade anterior.